Poesias

Foto de uma borboleta
A borboleta, inseto favorito da Jaqueline.

Poesias de Jaqueline

A saudade dói....

A saudade dói.... Dói como canto de unha lascada Dor constante e miúda, Dor de picadinha de agulha fina, Dor de um corte feito com delicado papel Espinho de roseira sob a pele Tilintando. Dor ínfima... Em sua delicada ardência Faz sua existência insistente, E embora a memória ache outros cantos melhores Há de sempre ressurgir a saudade... qual dor de uma unha lascada... Não mata... Porém... ai... ai.

Os olhos das senhorinhas

Por esses dias fui a um consultório e comigo além da atendente havia duas senhorinhas, todas as presentes, de máscara. Por tanto nosso primeiro contato além do 'bom dia" foi pela expressão dos olhos. Uma tinha o sorriso e a ternura refletidos no olhos. Outra, um olhar ressequido, investigativo de quem não confia em nada. Enquanto esperava por minha receita, a de olhar alegre puxou assunto sobre a vacina contra o Covid. Estava preocupada e ansiosa pois queria estar imunizada logo. Eu também expressei que essa também era minha vontade. A senhorinha falou da lotação dos hospitais, das crianças que voltariam às aulas. E emendado os assuntos, falou para mim que não entendia como podia tantas mulheres engravidarem na pandemia pois era grande o risco de contaminação por Covid e como as mesmas poderiam manter um pré natal adequado etc e tals. Eu apenas sorria, tecia um "pois é" um " humhum". A outra senhorinha, falou alto do canto do balcão, num tom de rancor:

_E essas mães solteiras? Porque têm filhos solteiras?

Eu disse:

_ Porque os pais abandonaram seus filhos.

Ela não ouviu, ou fingiu que não ouviu e continuou gesticulando seus magros braços:

_ Elas tem filhos desse jeito porque quiseram, porque querem dinheiro do governo, porque são um bando de vagabunda, blá, blá, blá...

Olhei bem para a senhorinha ressequida e como se eu tivesse visão de raio -x percebi o quanto estava desnuda de humanidade. Percebi que a mesma era tão vítima quanto qualquer outra mulher e reproduzia cegamente o que com certeza, aos gritos a fizeram acreditar. E aos longos dos seus aparentes 70 anos, essa era a verdade que ela conhecia. Voltei meus olhos para a senhorinha falante e feliz, ela se silenciou diante do rancor da outra. Passou a puxar assunto sobre o tempo, mas sem perder a alegria do olhar, falava doa dias chuvosos com a certeza da vida que a água faz brotar.

Recebi meu receituário, agradeci a atendente, despedi-me das senhorinhas e saí com uma bruta pena de quem ficou. Pena da senhorinha feliz que teria que ser paciente para escutar tanto maldizer e pena da velhinha cheia de ódio e preconceito, filha de um machismo de raízes tão profundas quantos as rugas de sofrimento de seu rosto, que jamais perceberia ternura e a alegria nos olhos de quem estava em sua companhia naquele momento.

O dia do nada

O dia do nada foi quando aconteceu um tudo possível. No dia do nada foi decretado que nada seria feito. E como a música do Raul.

Ela sentou-se em sua poltrona e lá ficou tentando fazer um nada permitido. Fechou os olhos para não ver um nada. Percebeu escuridão sem fim e lembrou que perceber algo fugira do decreto do nada.

Sentiu uma dorzinha no rim esquerdo, pensou que teria que ir ao médico. E o decreto do nada mais uma vez foi violado. Poderia dormir então, mas ainda assim faria algo e não faria um nada.

Lembrou-se estupefata que se era o dia do nada, ninguém faria nada e portanto ninguém poderia verificar se todos fariam um nada. Quem verificaria se ela estava pensando, dormindo, caminhando, lendo?

Percebeu que no dia do nada, ela secretamente poderia fazer tudo. Coçou seu nariz, abriu seus olhos, caminhou em seu quarto nas pontas dos pés, perseguindo com seus olhos uma pequena aranha no teto, brincou com os dedos das mãos, pensou na vida, pensou na morte, cansou, pensou na luz do dia, no sol que provavelmente fazia lá fora, com os sentidos revoltos pode sentir o aroma de café, de flores ao vento, o cheiro do mar. No dia do nada, ela descobriu, que nem tudo poderia fazer.

Não poderia espiar a vida lá fora, não veria o por do sol, não poderia sentir os abraços e muito menos os beijos na face.

No dia do nada ela lembrou-se de sua solidão, de seus segredos mais soturnos, de sua figura humana insignificante, de seus momentos humilhantes, da sua busca por perfeição, do ser desprezível que era... Uma mulher-nada.